Não é raro que a enfermeira especialista em pré-natal Glaucya W. Markus
chegue ao posto de saúde em que trabalha e encontre gestantes com sífilis.
Apesar de a infecção ter campanhas constantes de prevenção, como
orientação sobre sexo seguro, ainda é um problema de saúde pública
mundial, com cerca de 6,3 milhões de casos espalhados por diversos países.¹
No Brasil, os números do Boletim Epidemiológico de Sífilis, divulgado pela
Secretaria de Vigilância Sanitária em Saúde em 2021, também são
preocupantes.² Só na Região Norte, onde Glaucya mora, em 2020, foram
registrados pelo menos 6 mil casos de sífilis em gestantes. E os dados são mais alarmantes quando indicam que as mulheres, principalmente negras e
jovens, na faixa etária entre 20 e 29 anos, são as mais afetadas.
Preocupada com essa realidade, Glaucya resolveu dedicar-se ainda mais ao
cuidado das gestantes com sífilis. “É uma infecção que tem cura, mas, muitas
vezes, o diagnóstico e o tratamento são inadequados. Ainda há outro fator
que dificulta o acompanhamento das grávidas: não há uma comunicação
eficiente entre a unidade básica de saúde e a maternidade. Os médicos, no
hospital, não sabem se aquela mulher tem sífilis, em que nível está e o
tratamento prescrito”, comenta Glaucya. As consequências da sífilis não são
poucas: infertilidade, complicações na gestação e no parto, morte fetal e,
dependendo do caso, podem surgir lesões oculares, no sistema nervoso
central e na pele das crianças.
GestSífilis
Glaucya tem 40 anos e há 14 atua como enfermeira na rede de atenção
básica e em um hospital de Guaraí, cidade do interior do Tocantins, distante
quase 200 quilômetros da capital Palmas. Durante dois anos, uma vez por
mês, ela saía de casa às 4 horas da manhã para pegar um voo para São Paulo
e chegar a Fernandópolis, no interior paulista, para cursar o mestrado em
bioengenharia na Universidade Brasil.
A viagem longa e cansativa tinha, além do aprofundamento nos estudos,
outro objetivo: com a pós-graduação, Glaucya pôde pensar em como
enfrentar os problemas das gestantes com sífilis que acompanhava na sua
rotina. No projeto de mestrado, ela criou o aplicativo GestSífilis, que recebeu
o Prêmio SBEB-Boston Scientific de Inovação em Engenharia Biomédica
para o SUS, em 2021. “Minha proposta foi usar a tecnologia a fim de que os
profissionais de saúde pudessem não só diagnosticar e tratar corretamente
as gestantes infectadas, mas que esse prontuário ficasse disponível”,
comenta.
O GestSífilis, primeiro app desse tipo disponível no Brasil, é uma ferramenta
intuitiva que permite cadastrar a gestante com o número de seu CPF, avaliar
o estágio clínico de sua infecção, encontrar orientações sobre os sintomas, a
medicação que deve ser usada e o período do tratamento, além de monitorar
a evolução da doença.
Todas essas informações ficam registradas no aplicativo e qualquer
profissional de saúde cadastrado no sistema pode acessá-las. Também há
telas para diagnosticar e tratar a parceria sexual, se for necessário, e
acompanhar o recém-nascido. O GestSífilis abrange, também, o ambiente
hospitalar. “Quando a mulher chega na maternidade, a equipe
multidisciplinar tem esses dados para avaliá-la, decidir sobre a melhor
conduta na hora do parto e cuidar do bebê.”
Para a enfermeira, ganhar o Prêmio de Inovação pelo projeto é o
reconhecimento de sua dedicação, tanto como enfermeira, quanto como
mãe. Após o nascimento de Yasmin, de 14 anos, Valentina, de 10, e Miguel, de
6, Glaucya passou a se preocupar ainda mais com as gestantes. “Depois de
ser mãe, entendi que a preocupação com os filhos começa quando eles
ainda estão no ventre. Por isso, também me dediquei tanto ao estudo dessa
área: para poder ajudar essas mulheres muitas vezes desinformadas e sem
amparo.” A expectativa, agora, é que o app se torne uma ferramenta acessível
para quebrar a cadeia de transmissão da sífilis e garantir o cuidado das
gestantes Brasil afora.
¹ Boletim Epidemiológico de Sífilis. Número especial / Out. 2021. Ano 5, n. 1, p. 9.
Disponível em:
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2021. Acesso em:
24 jun. 2022.
² BOLETIM Epidemiológico de Sífilis. Número especial / Out. 2021. Ano 5, n. 1. Disponível
em:
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2021. Acesso em:
24 jun. 2022.